Quando criança, ouvia
muitas estórias de trancoso contadas por pessoas mais vividas. Aquilo me
atraía. Ainda recordo do ambiente bucólico e daquele recinto da casa de meus
pais onde havia um punhado de livros (comprados por minha mãe) à minha disposição: Viagens de Gulliver, Soldadinho de
Chumbo, Coleção Serelepe, Coletânea Continental etc.
O que dizer daquele dicionário de inglês que traduzi tantas músicas ao pé da letra. Hoje, com a internet (tecnologia desenvolvida na época da Guerra Fria), parece tão simples. Naquela época, minha mãe, professora por vocação, era diretora de uma escola
primária em Lajeado II - MA. As imagens das capas dos livros chamavam minha atenção e assim surgiu
minha atração pela leitura. Hoje sei por que sou um aficionado por literatura,
filosofia e ciências sociais. Concomitantemente a isto, outras paixões se manifestaram:
o desenho e a música.
Hoje, graças, sobretudo a minha mãe, o legado de grandes
autores do mundo literário, filosófico, musical, científico e o movimento
estudantil uemiano, não sou um sujeito fadado a ingenuidade. Atualmente sei porque as fantasias da infância se desfazem na idade adulta. Dentre as obras
que me permitiram ver o mundo além da caverna, cito quatro poemas para quem quer desfazer nós cegos lendo (como diz Goethe). Sem dúvida, são
ótimas dicas de leitura para aqueles que querem compreender o mundo contemporâneo, cheio de
flores, mas recheado de venenos. Por que não citar Cazuza, um burguês de nascimento e socialista nas ideias?
Ode ao
Burguês - Mário de Andrade
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tílburi!
Padaria Suíça! Morte viva ao Adriano!
“_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar… _ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! Puré e de batatas morais!
Oh! Cabelos nas ventas! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!…
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tílburi!
Padaria Suíça! Morte viva ao Adriano!
“_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar… _ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! Puré e de batatas morais!
Oh! Cabelos nas ventas! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!…
O maior trem do mundo - Carlos
Drummond de Andrade
(nascido em Itabira, MG - 1902-1987)
O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
(nascido em Itabira, MG - 1902-1987)
O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
O Analfabeto Político - Bertolt Brecht
O pior
analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos
acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do
peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões
políticas.
O analfabeto
político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a
política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a
prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político
vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.
Privatizado - Bertolt Brecht
Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contentes querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.
Privatizado - Bertolt Brecht
Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contentes querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.
A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver
burguesia /Não vai haver poesia.
A burguesia não tem charme nem é discreta / Com suas perucas de cabelos
de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country / A burguesia quer ir a New York fazer compras.
A burguesia quer ser sócia do Country / A burguesia quer ir a New York fazer compras.
Pobre de mim que vim do seio da burguesia / Sou rico, mas não sou
mesquinho
Eu também cheiro mal / Eu também cheiro mal.
Eu também cheiro mal / Eu também cheiro mal.
A burguesia tá acabando com a Barra / Afunda barcos cheios de crianças /
E dormem tranquilos / E dormem tranquilos.
Os guardanapos estão sempre limpos / As empregadas, uniformizadas / São
caboclos querendo ser ingleses / São caboclos querendo ser ingleses.
A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver
burguesia / Não vai haver poesia.
A burguesia não repara na dor / Da vendedora de chicletes / A burguesia
só olha pra si
A burguesia só olha pra si / A burguesia é a direita, é a guerra.
A burguesia só olha pra si / A burguesia é a direita, é a guerra.
A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver
burguesia
Não vai haver poesia.
Não vai haver poesia.
As pessoas vão ver que estão sendo roubadas / Vai haver uma revolução / Ao
contrário da de 64 / O Brasil é medroso.
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia / Vamos pra rua / Vamos pra
rua /
Vamos pra rua / Vamos pra rua / Pra rua, pra rua.
Vamos pra rua / Vamos pra rua / Pra rua, pra rua.
Vamos acabar com a burguesia / Vamos dinamitar a burguesia / Vamos pôr a
burguesia na cadeia / Numa fazenda de trabalhos forçados / Eu sou burguês, mas
eu sou artista / Estou do lado do povo, do povo.
A burguesia fede - fede, fede, fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto
houver burguesia
Não vai haver poesia.
Não vai haver poesia.
Porcos num chiqueiro / São mais dignos que um burguês / Mas também existe
o bom burguês / Que vive do seu trabalho honestamente / Mas este quer construir
um país / E não abandoná-lo com uma pasta de dólares.
O bom burguês é como o operário / É o médico que cobra menos pra quem
não tem / E se interessa por seu povo / Em seres humanos vivendo como bichos / Tentando
te enforcar na janela do carro / No sinal, no sinal / No sinal, no sinal.
A burguesia
fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver burguesia / Não vai haver
poesia.
Obs.: O poema de Drummond é bem atual e retrata o contexto econômico do sudeste do Pará, onde grandes mineradoras exportam diuturnamente minérios de valor estratégico para a indústria mundial e pagam preço de banana podre por eles.
Outra questão: o titulo deste texto é uma frase de autoria do escritor alemão Goethe. Coloquei uma interrogação na mesma porque convenhamos: com tantos intelectuais fabricados por aí, ler ao invés de ajudar a desatar o nó, poderá levar a um processo inverso, aumentando mais os nós. Recentemente, um desses falsos intelectuais foi denunciado por ter plagiado sem o menor pudor, justamente a obra que deu projeção ao mesmo.
Obs.: O poema de Drummond é bem atual e retrata o contexto econômico do sudeste do Pará, onde grandes mineradoras exportam diuturnamente minérios de valor estratégico para a indústria mundial e pagam preço de banana podre por eles.
Outra questão: o titulo deste texto é uma frase de autoria do escritor alemão Goethe. Coloquei uma interrogação na mesma porque convenhamos: com tantos intelectuais fabricados por aí, ler ao invés de ajudar a desatar o nó, poderá levar a um processo inverso, aumentando mais os nós. Recentemente, um desses falsos intelectuais foi denunciado por ter plagiado sem o menor pudor, justamente a obra que deu projeção ao mesmo.
Dicas: ouçam a música subdivision da banda canadense RUSH.