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sábado, 14 de junho de 2014

Ler é a arte de desfazer nós cegos?

Por Claudio Pereira

 Quando criança, ouvia muitas estórias de trancoso contadas por pessoas mais vividas. Aquilo me atraía. Ainda recordo do ambiente bucólico e daquele recinto da casa de meus pais onde havia um punhado de livros (comprados por minha mãe) à minha disposição: Viagens de Gulliver, Soldadinho de Chumbo, Coleção Serelepe, Coletânea Continental etc. O que dizer daquele dicionário de inglês que traduzi tantas músicas ao pé da letra. Hoje, com a internet (tecnologia desenvolvida na época da Guerra Fria), parece tão simples. Naquela época, minha mãe, professora por vocação, era diretora de uma escola primária em Lajeado II - MA. As imagens das capas dos livros chamavam minha atenção e assim surgiu minha atração pela leitura. Hoje sei por que sou um aficionado por literatura, filosofia e ciências sociais. Concomitantemente a isto, outras paixões se manifestaram: o desenho e a música.

Hoje, graças, sobretudo a minha mãe, o legado de grandes autores do mundo literário, filosófico, musical, científico e o movimento estudantil uemiano, não sou um sujeito fadado a ingenuidade. Atualmente sei porque as fantasias da infância se desfazem na idade adulta. Dentre as obras que me permitiram ver o mundo além da caverna, cito quatro poemas para quem quer desfazer nós cegos lendo (como diz Goethe). Sem dúvida, são ótimas dicas de leitura para aqueles que querem compreender o mundo contemporâneo, cheio de flores, mas recheado de venenos. Por que não citar Cazuza, um burguês de nascimento e socialista nas ideias?



Ode ao Burguês - Mário de Andrade

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tílburi!
Padaria Suíça! Morte viva ao Adriano!
“_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar… _ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! Puré e de batatas morais!
Oh! Cabelos nas ventas! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!…
 
 

 

 
 O maior trem do mundo  - Carlos Drummond de Andrade
(nascido em Itabira, MG - 1902-1987)

O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão

O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano

Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.

 
O Analfabeto Político - Bertolt Brecht
 O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
 O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

Privatizado - Bertolt Brecht

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.  É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário.  E agora não contentes querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.
 
A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver burguesia /Não vai haver poesia.
A burguesia não tem charme nem é discreta / Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country / A burguesia quer ir a New York fazer compras.
Pobre de mim que vim do seio da burguesia / Sou rico, mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal / Eu também cheiro mal.
A burguesia tá acabando com a Barra / Afunda barcos cheios de crianças / E dormem tranquilos / E dormem tranquilos.
Os guardanapos estão sempre limpos / As empregadas, uniformizadas / São caboclos querendo ser ingleses / São caboclos querendo ser ingleses.
A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver burguesia / Não vai haver poesia.
A burguesia não repara na dor / Da vendedora de chicletes / A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si / A burguesia é a direita, é a guerra.
A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia.
As pessoas vão ver que estão sendo roubadas / Vai haver uma revolução / Ao contrário da de 64 / O Brasil é medroso.
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia / Vamos pra rua / Vamos pra rua /
Vamos pra rua / Vamos pra rua / Pra rua, pra rua.
Vamos acabar com a burguesia / Vamos dinamitar a burguesia / Vamos pôr a burguesia na cadeia / Numa fazenda de trabalhos forçados / Eu sou burguês, mas eu sou artista / Estou do lado do povo, do povo.
A burguesia fede - fede, fede, fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia.
Porcos num chiqueiro / São mais dignos que um burguês / Mas também existe o bom burguês / Que vive do seu trabalho honestamente / Mas este quer construir um país / E não abandoná-lo com uma pasta de dólares.
O bom burguês é como o operário / É o médico que cobra menos pra quem não tem / E se interessa por seu povo / Em seres humanos vivendo como bichos / Tentando te enforcar na janela do carro / No sinal, no sinal / No sinal, no sinal.
A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver burguesia / Não vai haver poesia.

Obs.: O poema de Drummond é bem atual e retrata o contexto econômico do sudeste do Pará, onde grandes mineradoras  exportam diuturnamente minérios de valor estratégico para a indústria mundial e pagam preço de banana podre por eles.

Outra questão: o titulo deste texto é uma frase de autoria do escritor alemão Goethe. Coloquei uma interrogação na mesma porque convenhamos: com tantos intelectuais fabricados por aí, ler ao invés de ajudar a desatar o nó, poderá levar a um processo inverso, aumentando mais os nós. Recentemente, um desses falsos intelectuais foi denunciado por ter plagiado sem o menor pudor, justamente a obra que deu projeção ao mesmo. 
Dicas: ouçam a música subdivision da banda canadense RUSH.

Falácias que conformam

Por Claudio Pereira
 

 
Recentemente a presidenta Dilma Rousseff deu uma entrevista em cadeia nacional contrapondo os “pomposos” gastos com educação e saúde nos últimos quatro anos com os “humildes” gastos da construção das arenas para a copa. Discurso fajuto e ideologizado, pois se os investimentos nos setores educacional e de saúde tivessem sido proporcionais aos das arenas, a infraestrutura das escolas e hospitais estariam provavelmente equiparadas ao padrão FIFA dos estádios.
 Dados de 2005 mostram que, de todas as escolas brasileiras - somando ensino fundamental e médio -, 12.231, ou 6,5%, não têm sequer um banheiro e que em 2002, havia no país 192.193 escolas (169.075 de ensino fundamental e 23.118 de ensino médio) e 186.288 (162.727 e 23.561, respectivamente) em 2004. O censo escolar também mostra que, em 2005, 25.821 escolas (13,8%) não tinham energia elétrica e 40.972 (22%) tinham apenas uma sala de aula. E apenas 48.272 escolas (25,9%) tinham acesso à internet, não necessariamente disponível aos alunos. O número de instituições com laboratórios de ciência é ainda menor: apenas 25.399 (13,6%).
Se você quiser mais dados da pesquisa, os números, de 1999 a 2005, sobre educação infantil, ensino fundamental, médio e superior estão disponíveis no site edudatabrasil.inep.gov.br.
São Paulo, maior cidade do país, o ensino fundamental e médio nas redes municipal e estadual apresentam situações precárias. Atualmente, apenas 12,4% das escolas públicas têm bibliotecas. Além disso, de cada dez colégios, apenas três abrigam laboratórios de ciências.
No Pará não é diferente, ainda mais em um estado onde grandes conglomerados transnacionais pilham as riquezas naturais com plena anuência dos governos, da burguesia nacional e ingenuidade do povo. Mesmo tendo o município que mais exporta no país, o governo do Pará recorre a empréstimos frente a organismos multilaterais internacionais para quem sabe, amenizar problemas estruturais de base nas áreas da educação e da saúde.
Tais mazela são graves e só são destaque na mídia patronal de massa por dois motivos: 1) como é impossível esconder o caos, fingir está preocupado é uma forma de não reincidir no erro de Maria Antonieta e garantir o status quo do sistema socioeconômico; 2) quando a mesma sobe indiretamente no palanque para promover ou deturpar a imagem de aliados ou adversários da burguesia. Por que será que têm idiotas vaiando a presidenta antagonicamente dentro dos estádios?
O problema é cosmopolita. Em uma pequena, média ou grande escala, não há ente federativo que esteja imune a tal mazela que só será extirpada do nosso cotidiano no dia em que nós trabalhadores formos sujeitos ativos dentro do processo educacional e não meros coadjuvantes, vítimas de um sistema educacional ideologizado e classista dirigido pelos inimigos históricos da classe operária.

Brasileiro é hospitaleiro.
Tenho minhas dúvidas quanto a isto.
Acho que isto depende da região, do país e da classe social de quem chega.
Quem não está por dentro do controverso incidente envolvendo os governos dos estados do Acre e de São Paulo no que tange os imigrantes haitianos? Ou então dos nordestinos no Centro-Sul? Ou ainda dos favelados no Rio de Janeiro?
Enquanto o turista gringo é bem recebido (cuidado com os assaltos), brasileiros estão sendo barrados dia e noite pelas controversas UPP’s. Mão na cabeça e documento é a rotina de quem não habita áreas ricas nos espaços urbanos deste país. Frequentar áreas nobres só se for para fazer o serviço pesado. Isto nos faz lembrar do famigerado apartheid na África do Sul.

Se nos limitarmos às aparências de frases feitas, não nos daremos conta de que o intuito de quem as profere é apenas cegar o povo para problemas gravíssimos como os supracitados. O discurso é sempre de grandeza e riqueza, mas a realidade é de tamanha pobreza, ainda mais em um país onde 15 famílias tem riqueza equivalente ao PIB de todos os estados da Região Norte.
Conscientizar, unir e organizar o povo por quê? Isto cheira a revolução.
Dica de documentário: The Price of the World Cup.