Por
Claudio Pereira
Reforma
neoliberal da educação transforma saber em um balcão de negócios.
“Dentro do esquema de produtividade, a
paixão pela tecnologia, o conhecimento útil, as universidades não tem lugar
dentro deste esquema, elas não são devotadas ao melhoramento do mundo, e a
atenção dela está ligada e focalizada no reino intelectual histórico (...)
Dentro deste enfoque, os tecnocratas não pretendem deliberadamente acabar com esta
instituição secular, mas moldá-la às necessidades do mercado capitalista. Estes
reformadores querem uma atitude serviu. (...) É verdade que muitas coisas estão
acontecendo: pesquisas sobre contratos externos, intrigas e manobras,
carreirismo e estabelecimento de cursos e de matérias de pesquisa meramente
porque estão na moda. É também verdade que muitos universitários não têm uma
ideia muito clara do estão fazendo ali, e, adquirem, portanto, nada mais
sofisticado do que o domínio de umas poucas matérias úteis”.
(Kennet
Minogue, in Conceito de Universidade, p. 171).
Comecei
este ensaio com uma citação do filósofo inglês Kennet Minogue. Tal citação não se
coaduna com o discurso neoliberal. Um neoliberal convicto diria que a Constituição
Brasileira e a LDB, ambas escoam para um mesmo eixo central que é a qualidade
da educação, enfatizando a necessidade de uma ação estatal e privada efetiva de
acordo com a realidade econômica vivida em cada região, no sentido de reduzir
as desigualdades econômicas e sociais, através da realização daqueles direitos
fundamentais que somente podem ser compreendidos através de uma gestão
educacional de qualidade. Que qualidade? Tal discurso esconde que muitas das denominadas
políticas afirmativas visam modernizar a estrutura, mas mantendo o sistema
intacto. É o que se denomina de modernização conservadora: tratar os desiguais
de forma desigual nas medidas de suas desigualdades é o que ensinam nas
combalidas faculdades de direito burguesas. O que é ser desigual? Isto é uma indagação extremamente filosofia para um estudante de direito.
Quando
escrevi o texto: Concentração de renda: a essência do capital, fiz algumas
considerações sobre o Prouni e conclui que para evitar possíveis mal entendidos
divulgaria um texto específico sobre o que penso a respeito de tal programa do
governo brasileiro. Porque isto é necessário? Porque como a grande parcela dos
alunos do Prouni é oriunda da base da pirâmide socioeconômica e alguns podem
achar que sou contra a inserção deles no ensino superior, até porque o senso
comum é de que políticas afirmativas como o Prouni corrigem distorções
históricas do Brasil.
Já
escrevi outros textos exprimindo o que penso sobre a educação burguesa
classista e tecnicista e ressalto que em um país com os piores indicadores
educacionais e desigualdades sociais do mundo, educação (mesmo burguesa) para a
classe pobre ainda é vista como ameaça aos privilégios da quem monopoliza os
poderes político e econômico. Criar cobras para nos morder? Essa é a paranoia. Não temos um projeto de nação.
A nossa constituição burguesa diz que
educação é direito de todos e dever do Estado, que a educação básica será
acessível a todos os que dela prescinde, mas que o acesso ao ensino superior é
baseado no mérito de cada um. Mas que mérito? Intelecto ou dinheiro? Estudantes
oriundos das classes mais abastardas se não passam no funil do vestibular das
parcas universidades públicas, pagam faculdades privadas, algumas caríssimas e
de ótima qualidade, algo praticamente impossível para alunos de baixa renda.
No Brasil ocorre algo antagônico e
conservador: o ensino público de base é extremamente precário e vulnerável aos
interesses mesquinhos de governos corruptos, já o particular tem melhor qualidade
e as universidades públicas em sua maioria desfrutam de boas notas no ENADE ao
passo que a maioria das faculdades privadas tem péssimo rendimento em tal exame
que visa medir a qualidade do ensino superior brasileiro.
Onde quero chegar? É
que concorrer a uma vaga em uma universidade pública é um grande obstáculo para
alunos provenientes da rede pública, sobretudo nos cursos mais concorridos onde
a maioria das vagas são abocanhadas por alunos provenientes das melhores
escolas particulares. Sabendo disto, um governo burguês ao invés de investir na
qualidade da educação pública, prefere tentar amenizar tal discrepância
comprando vagas em faculdades particulares para os alunos de média e baixa
renda através do Prouni. Tal programa não
passa de uma tacada de mestre do neoliberalismo brasileiro, onde o mesmo
governo que não faz investimentos na qualificação da educação de base repassa
bilhões de reais para o sistema de ensino superior privado, seja através de
financiamentos diretos como o FIES, seja com isenções fiscais para as
faculdades privadas. Aliás, no ano de 2012 a Receita Federal abriu mão de R$
733,9 milhões referentes ao não recolhimento de quatro impostos e contribuições
federais (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins). Na primeira edição do Prouni em 2005, o governo
destinou 2,3 bilhões de reais para o Prouni, como “mal” negociador que é não
conseguiu comprar a quantidade de vagas pretendidas (veja tabela abaixo).
Naquele ano cada aluno custou cerca de 2.080 reais para o
governo ou melhorpara o contribuinte. Onde foram parar os mesmos? A maioria em cursos
baratos e de pouca qualidade. Assim se multiplica a fatura. É cômico para não
dizer trágico ver o MEC descredenciar faculdades que ele mesmo credenciou. Porque
descredencia? Porque as mesmas não atingem os requisitos mínimos de qualidade
do medíocre ensino superior brasileiro. Em algumas das maiores faculdades do
Brasil já houve casos de pessoas comprovadamente analfabetas passarem no
vestibular nos cursos de Direito e Letras. Certa vez, um dos donos de uma
dessas faculdades foi questionado sobre isto, o mesmo respondeu ironicamente que
essa questão de se preocupar com educação de um menino lá do sertão nordestino
é coisa de professor.
Lei nº 11.128, de 2005
Art.
8º A instituição que aderir ao Prouni ficará isenta dos seguintes impostos e
contribuições no período de vigência do termo de adesão:
I -
Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas;
II -
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, instituída pela Lei no 7.689, de 15
de dezembro de 1988;
III
- Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social, instituída pela
Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991; e IV - Contribuição para o
Programa de Integração Social, instituída pela Lei Complementar nº 7, de 7 de
setembro de 1970.
Quadro
1. Evolução do número IES no Brasil entre 1995 e 2010
ANO
|
QUANTIDADE DE INST. ENSINO SUPERIOR
|
PÚBLICA
|
PRIVADA
|
1995 893
|
-
|
...
|
...
|
...
|
...
|
2005
|
2.165
|
231
|
1.934
|
2006
|
2.270
|
248
|
2.022
|
2007
|
2.281
|
249
|
2.032
|
2008
|
2.252
|
236
|
2.016
|
2009
|
2.314
|
245
|
2.069
|
2010
|
2.378
|
278
|
2.100
|
Fonte: INEP/2010
- Sinopses Estatísticas da Educação Superior – Graduação.
ANO
|
1º SEMESTRE
|
2º SEMESTRE
|
TOTAL
|
INTEGRAL
|
PARCIAL
|
INTEGRAL
|
PARCIAL
|
2005
|
71.905
|
40.370
|
112.275
|
2006
|
63.536
|
28.073
|
35.162
|
11.897
|
138.668
|
2007
|
65.276
|
43.366
|
32.355
|
22.857
|
163.854
|
2008
|
52.977
|
53.157
|
46.518
|
72.353
|
225.005
|
2009
|
95.694
|
60.722
|
57.432
|
33.795
|
247.643
|
2010
|
85.208
|
79.388
|
39.882
|
35.963
|
240.441
|
2011
|
82.702
|
79.789
|
46.970
|
45.137
|
254.598
|
TOTAL
|
445.393
|
344.495
|
330.224
|
262.372
|
1.382.484
|
Fonte: Prouni
- dados estatísticos
Analisando
a primeira tabela, observa-se que houve grande crescimento de instituições de
ensino privado e pouquíssimo de IES públicas nos últimos anos. Porque isto
acontece?
Em
1996, sete anos após o Consenso de Washington, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, sob a égide do progresso foi reformulada e o que era para
ser melhor ficou pior, pois o efeito de tal reformulação do ensino foi
meramente quantitativo e jamais qualitativo. Para os mentores do Consenso de
Washington, latino americano é mero receptor de conhecimentos desenvolvidos em
ilhas de excelência de produção técnico-científica do chamado “primeiro mundo”
ou do capital. Analisando a conjuntura local acredito que é isto é o que passa
pela cabeça de muitos executivos de transnacionais da mineração que pilham as
riquezas minerais do Pará e do Brasil: manter o pião sempre na ignorância ou
com conhecimentos parcos e dosados sem capacidade de fazer reflexão sobre a
inserção da Amazônia e do Brasil no contexto neoliberal mundial, sobre sua
condição humana, socioeconômica e cultural, ou então, sobre as transações
legais do minério totalmente desfavoráveis ao país e consequentemente a ele que
trabalha tanto.
Parauapebas,
município com o maior PIB o Pará (19,8 bilhões de reais), não tem nenhum campus
da UEPA, da UFPA ou do IFPA. O que há aqui são alguns cursos da UFRA voltados
para o agronegócio e poucos da UEPA e UFPA com turmas únicas, financiados pelo
poder público municipal que, aliás, deixa muito a desejar na sua esfera de atuação
que é o ensino fundamental. Por outro lado, o ensino privado cresce
consideravelmente. Recentemente uma faculdade ofereceu mais de duzentas vagas
para o curso de Engenharia, os cerca de 800 inscritos fizeram apenas uma
redação.
O novo liberalismo
O
neoliberalismo que se espalhou pelo mundo a partir, sobretudo da década de 90
do século XX, nada mais é do que o velho liberalismo reformulado.
O
velho liberalismo entrou em colapso com a crise de 1929. A resposta burguesa
frente à pressão popular e uma latente revolução das massas foram ditaduras no
então denominado terceiro mundo, o nazi-fascismo na Europa e o estado do bem
estar social em alguns países capitalistas supostamente desenvolvidos. Superada
estas ameaças, sobretudo após a derrocada do combalido capitalismo de estado da
URSS, o discurso do estado parasitário reacendeu e cada vez mais o
patrimonialismo e a concentração de renda prevalece sobre o bem comum. Estão
privatizando tudo, dá água que bebemos a educação do povo, mas ao passo que
fazem isto, o sistema deixa transparecer suas fragilidades, e, temeroso diante
da revolução das massas, lança programas assistencialistas com intuito de
iludir, ludibriar a plebe e conter a insurreição popular.
“Privatizam sua vida, seu trabalho, sua
hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em
frente, seu pão e seu salário. E agora, não contentes querem privatizar o
conhecimento, que só a humanidade pertence.”
(Bertolt
Brecht)
A moral da história é que o Prouni não
oferece vagas gratuitas para ninguém. Se há isenção fiscal, então somos vitimas
de dupla tributação por parte do governo: uma para financiar o ensino público
onde somos excluídos e outra para bancar o Prouni. Ressalto que muitos
políticos e empresários dos mais corruptos é quem realmente faturam com o
Prouni, não é do interesse dos mesmos que o governo invista na qualidade do
ensino de base e nem aumente o número de vagas em IES públicas, isto quebraria
o negócio bilionário dos mesmos e claro, a lógica neoliberal. Além disso a fortes indícios de fraude, pois alunos com dotes financeiro conseguem bolsas em tal programa. Isto não é pra menos, pois há meia bolsa, assim como o sistema de cotas, conota ambiguidades imensuráveis.
Como proletário que sou, tenho plena consciência das dificuldades para adentrarmos uma universidade pública (supostamente),
ou particular.
Sou solidário com os alunos bolsistas do
Prouni se considerar que dentro da ordem ditatorial do capital que vivem, esta é a única
forma de muitas pessoas cursarem uma universidade e ter um diploma. Não sou
contra a inserção dos mesmos na universidade, sou contra a maneira que é a
mesma é feita, causando rombos nos cofres do contribuinte e camuflando os
problemas da educação burguesa e da pobreza no Brasil. O que se gasta com o
Prouni, mensalão nem passa perto. É dinheiro para inserir milhões de jovens com
sede de saber em universidades públicas Brasil a fora.
Mesmo com a pilhagem do capital
internacional, o governo brasileiro, se corrupto não fosse, teria plena condição
para desenvolver um ensino público de qualidade e atender a demanda de vagas em
IES públicas. Se não faz é porque não quer. Então pergunto: filantropia
(pilantropia) burguesa ou socialismo? Educação é bem comum e não produto pra
ser negociado na lógica do mercado.