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sábado, 1 de fevereiro de 2014

Universidade para todos: gratuidade para ninguém - privatização branca

         Por Claudio Pereira

Reforma neoliberal da educação transforma saber em um balcão de negócios.
 
“Dentro do esquema de produtividade, a paixão pela tecnologia, o conhecimento útil, as universidades não tem lugar dentro deste esquema, elas não são devotadas ao melhoramento do mundo, e a atenção dela está ligada e focalizada no reino intelectual histórico (...) Dentro deste enfoque, os tecnocratas não pretendem deliberadamente acabar com esta instituição secular, mas moldá-la às necessidades do mercado capitalista. Estes reformadores querem uma atitude serviu. (...) É verdade que muitas coisas estão acontecendo: pesquisas sobre contratos externos, intrigas e manobras, carreirismo e estabelecimento de cursos e de matérias de pesquisa meramente porque estão na moda. É também verdade que muitos universitários não têm uma ideia muito clara do estão fazendo ali, e, adquirem, portanto, nada mais sofisticado do que o domínio de umas poucas matérias úteis”.
(Kennet Minogue, in Conceito de Universidade, p. 171).
Comecei este ensaio com uma citação do filósofo inglês Kennet Minogue. Tal citação não se coaduna com o discurso neoliberal. Um neoliberal convicto diria que a Constituição Brasileira e a LDB, ambas escoam para um mesmo eixo central que é a qualidade da educação, enfatizando a necessidade de uma ação estatal e privada efetiva de acordo com a realidade econômica vivida em cada região, no sentido de reduzir as desigualdades econômicas e sociais, através da realização daqueles direitos fundamentais que somente podem ser compreendidos através de uma gestão educacional de qualidade. Que qualidade? Tal discurso esconde que muitas das denominadas políticas afirmativas visam modernizar a estrutura, mas mantendo o sistema intacto. É o que se denomina de modernização conservadora: tratar os desiguais de forma desigual nas medidas de suas desigualdades é o que ensinam nas combalidas faculdades de direito burguesas. O que é ser desigual? Isto é uma indagação extremamente filosofia para um estudante de direito.
Quando escrevi o texto: Concentração de renda: a essência do capital, fiz algumas considerações sobre o Prouni e conclui que para evitar possíveis mal entendidos divulgaria um texto específico sobre o que penso a respeito de tal programa do governo brasileiro. Porque isto é necessário? Porque como a grande parcela dos alunos do Prouni é oriunda da base da pirâmide socioeconômica e alguns podem achar que sou contra a inserção deles no ensino superior, até porque o senso comum é de que políticas afirmativas como o Prouni corrigem distorções históricas do Brasil.
Já escrevi outros textos exprimindo o que penso sobre a educação burguesa classista e tecnicista e ressalto que em um país com os piores indicadores educacionais e desigualdades sociais do mundo, educação (mesmo burguesa) para a classe pobre ainda é vista como ameaça aos privilégios da quem monopoliza os poderes político e econômico. Criar cobras para nos morder? Essa é a paranoia. Não temos um projeto de nação.
A nossa constituição burguesa diz que educação é direito de todos e dever do Estado, que a educação básica será acessível a todos os que dela prescinde, mas que o acesso ao ensino superior é baseado no mérito de cada um. Mas que mérito? Intelecto ou dinheiro? Estudantes oriundos das classes mais abastardas se não passam no funil do vestibular das parcas universidades públicas, pagam faculdades privadas, algumas caríssimas e de ótima qualidade, algo praticamente impossível para alunos de baixa renda.
No Brasil ocorre algo antagônico e conservador: o ensino público de base é extremamente precário e vulnerável aos interesses mesquinhos de governos corruptos, já o particular tem melhor qualidade e as universidades públicas em sua maioria desfrutam de boas notas no ENADE ao passo que a maioria das faculdades privadas tem péssimo rendimento em tal exame que visa medir a qualidade do ensino superior brasileiro.
 
 Onde quero chegar? É que concorrer a uma vaga em uma universidade pública é um grande obstáculo para alunos provenientes da rede pública, sobretudo nos cursos mais concorridos onde a maioria das vagas são abocanhadas por alunos provenientes das melhores escolas particulares. Sabendo disto, um governo burguês ao invés de investir na qualidade da educação pública, prefere tentar amenizar tal discrepância comprando vagas em faculdades particulares para os alunos de média e baixa renda através do Prouni. Tal programa não passa de uma tacada de mestre do neoliberalismo brasileiro, onde o mesmo governo que não faz investimentos na qualificação da educação de base repassa bilhões de reais para o sistema de ensino superior privado, seja através de financiamentos diretos como o FIES, seja com isenções fiscais para as faculdades privadas. Aliás, no ano de 2012 a Receita Federal abriu mão de R$ 733,9 milhões referentes ao não recolhimento de quatro impostos e contribuições federais (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins). Na primeira edição do Prouni em 2005, o governo destinou 2,3 bilhões de reais para o Prouni, como “mal” negociador que é não conseguiu comprar a quantidade de vagas pretendidas (veja tabela abaixo). Naquele ano cada aluno custou cerca de 2.080 reais para o governo ou melhorpara o contribuinte. Onde foram parar os mesmos? A maioria em cursos baratos e de pouca qualidade. Assim se multiplica a fatura. É cômico para não dizer trágico ver o MEC descredenciar faculdades que ele mesmo credenciou. Porque descredencia? Porque as mesmas não atingem os requisitos mínimos de qualidade do medíocre ensino superior brasileiro. Em algumas das maiores faculdades do Brasil já houve casos de pessoas comprovadamente analfabetas passarem no vestibular nos cursos de Direito e Letras. Certa vez, um dos donos de uma dessas faculdades foi questionado sobre isto, o mesmo respondeu ironicamente que essa questão de se preocupar com educação de um menino lá do sertão nordestino é coisa de professor.
Lei nº 11.128, de 2005
Art. 8º A instituição que aderir ao Prouni ficará isenta dos seguintes impostos e contribuições no período de vigência do termo de adesão:
I - Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas;
II - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, instituída pela Lei no 7.689, de 15 de dezembro de 1988;
III - Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social, instituída pela Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991; e IV - Contribuição para o Programa de Integração Social, instituída pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970.

 Quadro 1. Evolução do número IES no Brasil entre 1995 e 2010

 
 
 
ANO
 
 
QUANTIDADE DE INST. ENSINO SUPERIOR
 
 
 
 
 
PÚBLICA
 
 
 
PRIVADA
  1995                  893
-
...
...
...
...
2005
2.165
231
1.934
2006
2.270
248
2.022
2007
2.281
249
2.032
2008
2.252
236
2.016
2009
2.314
245
2.069
2010
2.378
278
2.100
Fonte: INEP/2010 - Sinopses Estatísticas da Educação Superior – Graduação.


  ANO
1º SEMESTRE
2º SEMESTRE
TOTAL
INTEGRAL
PARCIAL
INTEGRAL
PARCIAL
2005
  71.905
40.370
112.275
2006
63.536
28.073
35.162
11.897
138.668
2007
65.276
43.366
32.355
22.857
163.854
2008
52.977
53.157
46.518
72.353
225.005
2009
95.694
60.722
57.432
33.795
247.643
2010
85.208
79.388
39.882
35.963
240.441
2011
82.702
79.789
46.970
45.137
254.598
TOTAL
445.393
344.495
330.224
262.372
1.382.484
Fonte: Prouni - dados estatísticos

Analisando a primeira tabela, observa-se que houve grande crescimento de instituições de ensino privado e pouquíssimo de IES públicas nos últimos anos. Porque isto acontece?
Em 1996, sete anos após o Consenso de Washington, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sob a égide do progresso foi reformulada e o que era para ser melhor ficou pior, pois o efeito de tal reformulação do ensino foi meramente quantitativo e jamais qualitativo. Para os mentores do Consenso de Washington, latino americano é mero receptor de conhecimentos desenvolvidos em ilhas de excelência de produção técnico-científica do chamado “primeiro mundo” ou do capital. Analisando a conjuntura local acredito que é isto é o que passa pela cabeça de muitos executivos de transnacionais da mineração que pilham as riquezas minerais do Pará e do Brasil: manter o pião sempre na ignorância ou com conhecimentos parcos e dosados sem capacidade de fazer reflexão sobre a inserção da Amazônia e do Brasil no contexto neoliberal mundial, sobre sua condição humana, socioeconômica e cultural, ou então, sobre as transações legais do minério totalmente desfavoráveis ao país e consequentemente a ele que trabalha tanto.
 Parauapebas, município com o maior PIB o Pará (19,8 bilhões de reais), não tem nenhum campus da UEPA, da UFPA ou do IFPA. O que há aqui são alguns cursos da UFRA voltados para o agronegócio e poucos da UEPA e UFPA com turmas únicas, financiados pelo poder público municipal que, aliás, deixa muito a desejar na sua esfera de atuação que é o ensino fundamental. Por outro lado, o ensino privado cresce consideravelmente. Recentemente uma faculdade ofereceu mais de duzentas vagas para o curso de Engenharia, os cerca de 800 inscritos fizeram apenas uma redação.
O novo liberalismo
O neoliberalismo que se espalhou pelo mundo a partir, sobretudo da década de 90 do século XX, nada mais é do que o velho liberalismo reformulado.
O velho liberalismo entrou em colapso com a crise de 1929. A resposta burguesa frente à pressão popular e uma latente revolução das massas foram ditaduras no então denominado terceiro mundo, o nazi-fascismo na Europa e o estado do bem estar social em alguns países capitalistas supostamente desenvolvidos. Superada estas ameaças, sobretudo após a derrocada do combalido capitalismo de estado da URSS, o discurso do estado parasitário reacendeu e cada vez mais o patrimonialismo e a concentração de renda prevalece sobre o bem comum. Estão privatizando tudo, dá água que bebemos a educação do povo, mas ao passo que fazem isto, o sistema deixa transparecer suas fragilidades, e, temeroso diante da revolução das massas, lança programas assistencialistas com intuito de iludir, ludibriar a plebe e conter a insurreição popular.
“Privatizam sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora, não contentes querem privatizar o conhecimento, que só a humanidade pertence.”
(Bertolt Brecht)
A moral da história é que o Prouni não oferece vagas gratuitas para ninguém. Se há isenção fiscal, então somos vitimas de dupla tributação por parte do governo: uma para financiar o ensino público onde somos excluídos e outra para bancar o Prouni. Ressalto que muitos políticos e empresários dos mais corruptos é quem realmente faturam com o Prouni, não é do interesse dos mesmos que o governo invista na qualidade do ensino de base e nem aumente o número de vagas em IES públicas, isto quebraria o negócio bilionário dos mesmos e claro, a lógica neoliberal. Além disso a fortes indícios de fraude, pois alunos com dotes financeiro conseguem bolsas em tal programa. Isto não é pra menos, pois há meia bolsa, assim como o sistema de cotas, conota ambiguidades imensuráveis.
Como proletário que sou, tenho plena consciência das dificuldades para adentrarmos uma universidade pública (supostamente), ou particular.
Sou solidário com os alunos bolsistas do Prouni se considerar que dentro da ordem ditatorial do capital que vivem, esta é a única forma de muitas pessoas cursarem uma universidade e ter um diploma. Não sou contra a inserção dos mesmos na universidade, sou contra a maneira que é a mesma é feita, causando rombos nos cofres do contribuinte e camuflando os problemas da educação burguesa e da pobreza no Brasil. O que se gasta com o Prouni, mensalão nem passa perto. É dinheiro para inserir milhões de jovens com sede de saber em universidades públicas Brasil a fora.
Mesmo com a pilhagem do capital internacional, o governo brasileiro, se corrupto não fosse, teria plena condição para desenvolver um ensino público de qualidade e atender a demanda de vagas em IES públicas. Se não faz é porque não quer. Então pergunto: filantropia (pilantropia) burguesa ou socialismo? Educação é bem comum e não produto pra ser negociado na lógica do mercado. 

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