Começo este ensaio com uma citação retirada do livro A Rebelião das
Massas do filósofo espanhol Ortega y Gasset.
“O homem
alienado a que alude Fromm, é o homem massa, de personalidade evanescence,
guloso de noticiários de crimes e escândalos, faminto de técnica, não de
ciência, atulhado de pseudos-ideias, das quais não criou nenhuma e a todas
assimilou mal, robô condicionado para bagatelas, submissão ou violência, “sem
vida interior”, vazio de sua própria história. Está sempre em disponibilidade
para fingir ser qualquer coisa. Tem só apetites, crê que só têm direitos e não
crê que tem obrigações, é o homem sem nobreza que obriga, sine nobilitate, que
os ingleses abreviaram de snob.”
(Ortega
y Gasset – La Rebelion de Las Massas, p. 28).
Há uma frase de Sócrates que diz: o maior bem é a sabedoria, o pior mal a
ignorância. Uma missão diária da burguesia, sem dúvida, é alimentar a
ignorância do povo por todos os meios possíveis e necessários. O mito da
caverna e a política do pão e circo tomaram nova roupagem na moderna sociedade
burguesa, entretanto preservaram a essência: escuridão intelectual da maioria
das pessoas, incapazes de refletirem filosoficamente sobre sua condição de vida
ou sobre a incongruência e legitimidade da sociedade de classes.
Vivemos em um sistema socioeconômico onde a servidão é cultuada em todas
as instituições e o operariado foi sentenciado sumariamente a viver na ignorância,
idolatrar mitos, servir e produzir bens de consumo incessantemente.
Desde que o ser humano passou a acumular excedentes da produção agrícola apareceram
larápios espertalhões que com o tempo passaram a se apoderar do que sobrava da
produção. Os mitos foram reforçados, instituições foram criadas, a educação, as
leis e a produção foram monopolizadas, surgiu o Estado. Estavam formadas as
bases para a legitimação da sociedade de classes que consolidou através dos
tempos o domínio de uma minoria cada vez mais rica sobre a maioria dos
trabalhadores pobres. Mas a história desta dominação não se fez ou se faz
passivamente, de vez em quando, o criado foge do controle do seu senhor. Como bem
explicou Karl Marx logo no início do Manifesto Comunista, a história de todas
as sociedades é a história da luta de classes, plebeus contra patrícios,
vassalo contra senhor feudal, proletariado contra burguesia. Essa luta hora se
deu ou se dá de forma camuflada ou em certo momento de forma aberta. As
revoluções Russa e Cubana são exemplos salutares que tiveram por meta por fim a
nefasta sociedade classista. Sabemos que o modelo soviético se desviou da ideia
original e o cubano resiste à pressão articulada do imperialismo contra aquela
pequena ilha, seja através de embargo econômico, seja por invasões armadas, campanhas difamatória, caluniosas, injuriosas e
isolamento daquela brava ilha do Caribe, que apesar disto, apresenta IDH semelhante
aos das ilhas de excelência criadas pelo capital para iludir o pobre
proletariado de que o capitalismo é viável.
“Quando
eu corria e vivia na cidade, eu tinha de tudo, tudo ao meu redor, mas tudo que
eu sentia era que algo me faltava e a noite eu acordava banhado de suor”.
(Trecho da música infinita highway – Engenheiros do Hawaii).
Nas cidades capitalistas há um movimento escondido que não é percebido
pela maioria dos trabalhadores. Alienado, o trabalhador urbano circula dias e
noites em meio a construções e produção industrial frutos do seu trabalho, mas
do qual pouco usufrui. Assim como no Egito antigo, o trabalhador moderno ergue
construções gigantescas que quando são concluídas viram reduto da ostentação do
luxo e da cultura burguesa. Correndo
contra o tempo (tempo é dinheiro) e lutando cotidianamente pela sobrevivência,
não há espaço no contexto para a reflexão e a contemplação de sua obra.
“Mas ele desconhecia esse fato extraordinário: que o operário faz
a coisa e a coisa faz operário”.
De repente, o operário constatou que ele, um humilde operário, era
responsável pelos objetos que estavam em sua mesa e, tomado de uma súbita
emoção, percebe que era ele quem construía tudo o que existia: casa, cidade,
nação!“.
(O Operário em
Construção: Vinícius de Moraes).
O proletariado de B a E está cada dia mais insensível e embrutecido pelo
capitalismo e a indiferença com suas próprias mazelas e misérias não mais o
indigna. Destituído do processo de evolução intelectual, cultural e
educacional, a maioria dos trabalhadores se diverte com programação e música tosca, com violência. Briga
por coisas fúteis e cruza os braços quando realmente é preciso agir. Viaja
quilômetros atrás do seu time do coração, mas não move uma palha quando é
realmente preciso. Outro dia, quando os professores da rede estadual do Pará
entraram em greve, ouvia-se muitos incautos dizer: Esses professores não querem
é trabalhar! Aliás, são nos momentos de greve que algo absurdo ocorre:
trabalhador fica contra trabalhador. Os professores da rede estadual do Pará
cansados de esperar pelo judiciário inoperante frente às arbitrariedades do
governo no que tange os direitos conquistados pela classe e também pelo péssimo
estado infraestrutural das escolas da rede estadual, deflagraram uma greve que
durou quase dois meses. Como é de práxis nestas situações, a polícia apareceu e
agiu de forma truculenta contra os professores que ocuparam o sucateado prédio
da Seduc em Belém. Essa mesma polícia foi recentemente afetada por um decreto
do governo do Pará que atingiu todos os servidores estaduais. O governo, alegando
que o estado perdeu 500 milhões por causa da redução do IPI e também diminuição
no repasse do FPE, cortou uma série de gratificações dos salários dos
servidores estaduais, segundo ele, para cumprir o que determinada a Lei do
Prato Seco, ôpa!, Lei de Responsabilidade Fiscal.
Policia contra professor, Juiz do Trabalho contra trabalhador, imprensa
contra telespectador, cultura de massa contra cultura popular, médico contra
paciente, vendedor contra consumidor, dogma contra a verdade, riqueza contra miséria etc. É a famigerada
luta de classes que se dá em duas frentes de combate: a primeira, os burgueses
contra o proletariado dispostos a fazer qualquer coisa para assegurar seus
interesses e privilégios; do outro, infelizmente, algo que se repete há séculos
e é de grande utilidade para a manutenção do status quo: trabalhadores contra
trabalhadores.
Sedento de ideias, estressado e faminto, o trabalhador até percebe e sente que é explorado,
mas é incapaz de se articular e reagir ou enxergar que ele é quem produz a
riqueza e que existem formas de organização socioeconômica onde o bem-comum
prevalece sobre formas mesquinhas e privadas de organização da sociedade que só
agravam os problemas sociais mundo a fora.
Mas a luta não está perdida, sabemos que existem trabalhadores com senso
crítico e discernimento e movimentos sociais que plantam e semeiam ideias libertárias a favor de
quem realmente constrói as coisas do mundo: o proletariado.
Que se dê ao povo o que é do povo e tirai do caminho o parasita: o capitalista,
o pensamento burguês.
Reitero: que viés ou fórmula faz o trabalhador achar normal e aceitar a
sociedade estratificada em classes sociais, senão a ignorância?
Dicas: para maior lucidez
sobre o que expressamos em palavras assista o documentário A Servidão Moderna. O
mesmo pode ser baixado via internet.
Claudio Pereira é licenciado em Geografia pela UEMA, Bacharel em Direito pela UFPA, professor da rede estadual do Pará, desenhista e cartunista.
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