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sábado, 8 de fevereiro de 2014

Que viés ou fórmula faz o trabalhador achar normal e aceitar a sociedade estratificada em classes sociais, senão a ignorância?

         Por Claudio Pereira
 
Começo este ensaio com uma citação retirada do livro A Rebelião das Massas do filósofo espanhol Ortega y Gasset.
 “O homem alienado a que alude Fromm, é o homem massa, de personalidade evanescence, guloso de noticiários de crimes e escândalos, faminto de técnica, não de ciência, atulhado de pseudos-ideias, das quais não criou nenhuma e a todas assimilou mal, robô condicionado para bagatelas, submissão ou violência, “sem vida interior”, vazio de sua própria história. Está sempre em disponibilidade para fingir ser qualquer coisa. Tem só apetites, crê que só têm direitos e não crê que tem obrigações, é o homem sem nobreza que obriga, sine nobilitate, que os ingleses abreviaram de snob.”
(Ortega y Gasset – La Rebelion de Las Massas, p. 28).
Há uma frase de Sócrates que diz: o maior bem é a sabedoria, o pior mal a ignorância. Uma missão diária da burguesia, sem dúvida, é alimentar a ignorância do povo por todos os meios possíveis e necessários. O mito da caverna e a política do pão e circo tomaram nova roupagem na moderna sociedade burguesa, entretanto preservaram a essência: escuridão intelectual da maioria das pessoas, incapazes de refletirem filosoficamente sobre sua condição de vida ou sobre a incongruência e legitimidade da sociedade de classes.
Vivemos em um sistema socioeconômico onde a servidão é cultuada em todas as instituições e o operariado foi sentenciado sumariamente a viver na ignorância, idolatrar mitos, servir e produzir bens de consumo incessantemente.
Desde que o ser humano passou a acumular excedentes da produção agrícola apareceram larápios espertalhões que com o tempo passaram a se apoderar do que sobrava da produção. Os mitos foram reforçados, instituições foram criadas, a educação, as leis e a produção foram monopolizadas, surgiu o Estado. Estavam formadas as bases para a legitimação da sociedade de classes que consolidou através dos tempos o domínio de uma minoria cada vez mais rica sobre a maioria dos trabalhadores pobres. Mas a história desta dominação não se fez ou se faz passivamente, de vez em quando, o criado foge do controle do seu senhor. Como bem explicou Karl Marx logo no início do Manifesto Comunista, a história de todas as sociedades é a história da luta de classes, plebeus contra patrícios, vassalo contra senhor feudal, proletariado contra burguesia. Essa luta hora se deu ou se dá de forma camuflada ou em certo momento de forma aberta. As revoluções Russa e Cubana são exemplos salutares que tiveram por meta por fim a nefasta sociedade classista. Sabemos que o modelo soviético se desviou da ideia original e o cubano resiste à pressão articulada do imperialismo contra aquela pequena ilha, seja através de embargo econômico, seja por invasões armadas, campanhas difamatória, caluniosas, injuriosas e isolamento daquela brava ilha do Caribe, que apesar disto, apresenta IDH semelhante aos das ilhas de excelência criadas pelo capital para iludir o pobre proletariado de que o capitalismo é viável.
“Quando eu corria e vivia na cidade, eu tinha de tudo, tudo ao meu redor, mas tudo que eu sentia era que algo me faltava e a noite eu acordava banhado de suor”.
(Trecho da música infinita highway – Engenheiros do Hawaii).
Nas cidades capitalistas há um movimento escondido que não é percebido pela maioria dos trabalhadores. Alienado, o trabalhador urbano circula dias e noites em meio a construções e produção industrial frutos do seu trabalho, mas do qual pouco usufrui. Assim como no Egito antigo, o trabalhador moderno ergue construções gigantescas que quando são concluídas viram reduto da ostentação do luxo e da cultura burguesa.  Correndo contra o tempo (tempo é dinheiro) e lutando cotidianamente pela sobrevivência, não há espaço no contexto para a reflexão e a contemplação de sua obra.
“Mas ele desconhecia esse fato extraordinário: que o operário faz a coisa e a coisa faz operário”.
De repente, o operário constatou que ele, um humilde operário, era responsável pelos objetos que estavam em sua mesa e, tomado de uma súbita emoção, percebe que era ele quem construía tudo o que existia: casa, cidade, nação!“.
(O Operário em Construção: Vinícius de Moraes).
O proletariado de B a E está cada dia mais insensível e embrutecido pelo capitalismo e a indiferença com suas próprias mazelas e misérias não mais o indigna. Destituído do processo de evolução intelectual, cultural e educacional, a maioria dos trabalhadores se diverte com programação e música tosca, com violência. Briga por coisas fúteis e cruza os braços quando realmente é preciso agir. Viaja quilômetros atrás do seu time do coração, mas não move uma palha quando é realmente preciso. Outro dia, quando os professores da rede estadual do Pará entraram em greve, ouvia-se muitos incautos dizer: Esses professores não querem é trabalhar! Aliás, são nos momentos de greve que algo absurdo ocorre: trabalhador fica contra trabalhador. Os professores da rede estadual do Pará cansados de esperar pelo judiciário inoperante frente às arbitrariedades do governo no que tange os direitos conquistados pela classe e também pelo péssimo estado infraestrutural das escolas da rede estadual, deflagraram uma greve que durou quase dois meses. Como é de práxis nestas situações, a polícia apareceu e agiu de forma truculenta contra os professores que ocuparam o sucateado prédio da Seduc em Belém. Essa mesma polícia foi recentemente afetada por um decreto do governo do Pará que atingiu todos os servidores estaduais. O governo, alegando que o estado perdeu 500 milhões por causa da redução do IPI e também diminuição no repasse do FPE, cortou uma série de gratificações dos salários dos servidores estaduais, segundo ele, para cumprir o que determinada a Lei do Prato Seco, ôpa!, Lei de Responsabilidade Fiscal.
Policia contra professor, Juiz do Trabalho contra trabalhador, imprensa contra telespectador, cultura de massa contra cultura popular, médico contra paciente, vendedor contra consumidor, dogma contra a verdade, riqueza contra miséria etc. É a famigerada luta de classes que se dá em duas frentes de combate: a primeira, os burgueses contra o proletariado dispostos a fazer qualquer coisa para assegurar seus interesses e privilégios; do outro, infelizmente, algo que se repete há séculos e é de grande utilidade para a manutenção do status quo: trabalhadores contra trabalhadores.
Sedento de ideias, estressado e faminto, o trabalhador até percebe e sente que é explorado, mas é incapaz de se articular e reagir ou enxergar que ele é quem produz a riqueza e que existem formas de organização socioeconômica onde o bem-comum prevalece sobre formas mesquinhas e privadas de organização da sociedade que só agravam os problemas sociais mundo a fora.
Mas a luta não está perdida, sabemos que existem trabalhadores com senso crítico e discernimento e movimentos sociais que plantam e semeiam ideias libertárias a favor de quem realmente constrói as coisas do mundo: o proletariado.
Que se dê ao povo o que é do povo e tirai do caminho o parasita: o capitalista, o pensamento burguês.
Reitero: que viés ou fórmula faz o trabalhador achar normal e aceitar a sociedade estratificada em classes sociais, senão a ignorância?
Dicas: para maior lucidez sobre o que expressamos em palavras assista o documentário A Servidão Moderna. O mesmo pode ser baixado via internet.
Claudio Pereira é licenciado em Geografia pela UEMA, Bacharel em Direito pela UFPA, professor da rede estadual do Pará, desenhista e cartunista.

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